Uma já popular frase retirada de um certo filme francês diz que "são tempos difíceis para os sonhadores". Mas para Zeca Viana, músico da capital pernambucana, o sonho compartilhado por tantos músicos mundo à fora de ter controle sobre a própria arte sem interferências mercadológicas, se materializou num disco produzido de forma independente, num processo que beira o artesanal.
Com influências que envolvem temas como filosofia, discos voadores, teatro e lo-fi, Zeca conversou com a gente sobre o caminho percorrido até o resultado final do álbum Estância, a amizade com os caras da Verdes & Valterianos e, lógico, sobre o que está esperando da apresentação no primeiro dia do Capibaribe in Rock.
CIR - Esse ano você lançou o disco Estância, num
processo de produção completamente independente. Como foi esse processo?
Zeca - Depois que voltei de São Paulo decidi parar de tocar
ao vivo e passei dois anos focado em estudar sobre produção, ler sobre mixagem
e aprofundar minhas noções de masterização. Ainda cheguei a fazer dois shows de
lançamento do meu segundo álbum “Psicotransa”, mas logo depois decidi parar de
vez. Estava rolando um clima estranho na época, sabe aquele ditado que diz que em
Recife um caranguejo quer subir em cima do outro para aparecer? Pois é, tinha
passado alguns anos em São Paulo, tido algumas experiências legais nos EUA,
Canadá, conhecido muita gente bacana que curtia fazer música pela música e na
volta para Recife estava sentindo esse climão estranho no ar e achei melhor me
isolar de tudo para me reencontrar e amadurecer um novo som. Aos poucos fui
estruturando o home studio Recife Lo-fi no meu quarto e gravando sons nas ruas do
bairro. Estava com a ideia de fazer um disco instrumental com paisagens
sonoras. Como estava sem grana, arrumei um trabalho desses no comércio e aos
poucos fui trazendo o meu equipamento de volta de São Paulo. Ainda teve nego
que veio falar “nossa, olha lá Zeca, nada haver, trabalhando 8h por dia como
vendedor de livros”. Achava isso muito bizarro, umas pessoas que se dizem
“independentes” sendo sustentados pela família e esperando que eu vivesse sem
trabalhar. Meus amigos dos EUA trabalham em outras coisas, postos de gasolina,
depósitos e fazem som e é algo super normal. Enfim... Já estava totalmente fora
da cena da cidade, interessado em outras lógicas, e aos poucos fui me
reestruturando financeiramente, reencontrando meu caminho e foram surgindo
músicas, refrões, trechos de letras e fui gravando tudo até o dia em que, não
sei bem por que, li o significado de Estância como um “lugar onde se está ou
permanece, divisões poéticas de uma obra”, então sabia que tinha encontrado o
nome do disco e o rumo conceitual para um novo álbum.
CIR - Você tem tocado bastante com os caras da Verdes &
Valterianos e inclusive vão tocar na mesma noite do Capibaribe in Rock. Como
está sendo essa parceria? Rola trabalho conjunto?
Zeca - Sim, é uma parceria que vem dando muito certo e acho
que a amizade é o grande trunfo para os sons rolarem de forma natural. Logo
depois que terminei o disco fui sentindo que era hora de voltar a tocar ao vivo
e convidei Gonzaga (baixo) e Nívea (teclado) para uma reunião sobre essa ideia.
Acho que a simbiose foi imediata e começamos a trabalhar juntos com os outros verdinhos
Thiago Barreto (bateria) e Diego Blues (guitarra). A gente focou em ensaiar
aqui em casa, sem se preocupar com hora de estúdio, e a coisa foi fluindo muito
naturalmente. Eles deram uma cara massa para as músicas, fomos trabalhando as
ideias em conjunto e fechamos um repertório que passa por todo o meu trabalho
com um pouco dos três álbuns. O resultado está sendo sentido no palco, estamos
formando um público massa com pessoas que estão se tornando nossos amigos
também e fica aqui o convite para a moçada chegar junto no Capibaribe in Rock e
sacar esse som ao vivo.
CIR - O projeto Recife Lo-Fi (coletânea online com trabalhos de artistas nacionais e internacionais, principalmente caseiros) é de sua autoria. Qual a
sua relação com esses artistas?
Zeca - Criei o projeto em 2010 para divulgar artistas da cidade
que gravavam em casa. Acho que foi massa por ter sido a primeira coletânea da
cidade que divulgava gravações de celular, câmeras caseiras, de baixa
qualidade, dando espaço para um tipo de linguagem que não era muito valorizada.
Quando foi lançada pelo TramaVirtual chegou em 500 mil players no total e muita
gente começou a olhar de novo para a cena da cidade. Hoje venho conhecendo
pessoas de outros países interessados na coletânea. Já participaram bandas dos
EUA, França e Portugal, além de outras cidades do país. Para mim é um grande
prazer fazer essa coletânea por que faço realmente por amor, gosto de ouvir
coisas novas, me surpreender. O projeto também virou uma oficina de gravação
caseira que já ministrei no Festival de Inverno de Garanhuns e no Coquetel
Molotov (na cidade de Belo Jardim) compartilhando conhecimentos sobre mixagem e
masterização e um pouco do meu processo de produção gravando músicas em sala
com os alunos. Uma novidade massa é que recentemente fechamos parceria com um
programa de rádio transmitido na Califórnia, Ontario (Canadá) e Nova Iorque
chamado Lo-fi Meltdown. E vamos seguindo para o Volume V, posso adiantar que vai
rolar uma dupla dos EUA e uma cantora do Japão.
CIR - Você estuda Filosofia, não é? Qual a
relação disso com o teu trabalho?
Zeca - Estou me formando em breve, mas já dou aulas de
Filosofia via PIBID pela UFPE. Acho que a leitura, de uma forma geral, sempre
me influenciou, sempre gostei muito de ler sobre diversos assuntos: música,
ficção-científica, ufologia, cinema, etc. Gosto mais especificamente de
Estética (Filosofia da Arte), Metafísica e Filosofia da Música. Recentemente
apresentei um texto chamado “Apolínio e Dionisíaco: o espírito da música em
Nietzsche” em um encontro da UFPE. Acho que as artes se encontram na Filosofia
de uma forma única por que é possível pensar seus fundamentos, os conceitos de
verdade e mentira, de imitação, originalidade, enfim, é um campo eternamente
fértil. Mas muitas outras coisas me influenciam como o cinema, a pintura e,
principalmente, esse teatro que podemos recriar diariamente que é a nossa vida.
CIR - Quais as
expectativas para o show no Capibaribe in Rock? Já conhecia o festival?
Zeca - Conhecia de nome. Já é um festival sólido, com várias
edições realizadas e que tem um calendário anual massa, firme. Tenho admiração
pela garra que o pessoal tem na produção e tenho certeza que vai ser um show
incrível por que estamos com muita vontade de conhecer a cidade e tocar essas
músicas ao vivo. Esperamos todos lá para dividir essa noite de festa com a
gente, é importante esse fomento da música independente, de formação de público,
da circulação da produção pernambucana, vai ser uma noite linda, convidem os
amigos e vamos todos lá curtir essas good vibrations!
Entrevista: Priscila Moura
Foto: Zeca Viana